No início do ano publiquei um post em que falo sobre os 13 livros que leria em 2013.

Os 13 livros se transformaram em 19 até o momento. Alterei minha lista no meio do caminho, por que as coisas nunca saem como o planejado. Vocês se surpreenderiam se soubessem como cada livro se apresentou a mim.

E agora volto aqui para falar sobre os livros que me surpreenderam positivamente.

Começarei com 1Q84 de Haruki Murakami. Um livro escolhido aleatoriamente me surpreendeu demais.

capa 1q84

Capa brasileira do volume 1

Primeiro por se tratar de uma trilogia (só descobri depois de ter iniciado a leitura) e por ter conhecido um dos melhores autores da atualidade,

Sinopse Duas histórias em paralelo se cruzam numa história cheia de mistério e eventos surreais. De um lado, Aomame, uma assassina profissional, suspeita estar em um mundo paralelo. De outro, Tengo, um aspirante a escritor, se envolve com um projeto de reescrever um livro misterioso escrito por uma estranha jovem chamada Fukaeri.

À medida que as histórias vão se alternando, Aomame continua a perceber diferenças sutis na realidade. Já Tengo, aos poucos, passa a reparar em estranhas semelhanças entre a ficção fantasiosa de Fukaeri e a realidade, além de perceber que parece correr algum tipo de perigo quando se vê envolvido com uma misteriosa seita. De forma alternada, Murakami narra duas histórias que aos poucos convergem.

1Q84? Haruki Murakami?

Não conhecia Haruki Murakami até ter lido esse livro. Assim que terminei 1Q84, automaticamente procurei pela continuação (1Q84 – Livro 02) e por outros livros do autor.

Não se deixe iludir pelas aparências. A realidade é apenas uma. Capitulo 1.

O modo como Murakami escreve sobre a personalidade de seus personagens me pegou de tal forma que eu decidi que precisava ler outros livros dele.

HARUKI MURAKAMI

HARUKI MURAKAMI

No mais, creio que a escrita dele segue um alto nível, mas sem grandes pontos notórios. O ponto alto é o aprofundamento na personalidade, e em algumas sensações sensoriais.

É certo que há alguns pontos negativos, pois toda obra carrega algo que nós não gostamos tanto. O ponto negativo deriva exatamente dos pontos positivos.

Como?

Eu achei que esse mergulho na personalidade e descrição de sensações acabam se tornando repetitivos em alguns momentos.

Há um fato, que eu considerei bizarro, que acontece com Tengo, que se repetem várias vezes. E me causou certo cansaço.

Talvez tenha um motivo no final, vamos aguardar…

Claro que não é um ponto negativo que afete a obra de forma considerável.

Abordagem dos personagens

O autor aborda lembranças da infância e a adolescência dos personagens e nos proporciona uma perspectiva interessante e real.

Percebemos que muitas das escolhas na vida adulta são resultados de traumas e vivências naquelas fases.

Eu me surpreendi. Ele tem o poder de enaltecer o psicológico dos personagens e de repente, ali estão eles, personagens quase reais.

Capa 1q84

Capa alternativa, utilizada no Japão

Como a história do livro tende ao fantástico e irreal, alguns dos elementos que servem como base para elucidar o psicológico dos personagens são estranhos, e outros carregam uma dose de alegoria. Mas conclui que os elementos estavam dentro do permitido.

A história ainda que tenha uma grande dose de irrealidade (universo paralelo) ela traz inconvenientes realidades sobre a natureza humana.

Praticamente todos os personagens têm convicções próprias, desejos básicos internalizados que precisam ser colocados para fora, rotinas insanas que são seguidas sem questionamento, frustrações corriqueiras, passados marcantes, visões diferentes do mundo que os cercam.

Os personagens principais são Tengo e Aomame. Ao menos os capítulos giram em torno do ponto de vista desses dois. Há também Fukaeri, uma introvertida garota que escreveu um livro. Falarei mais sobre esse livro.

Os dois personagens principais tão diferentes, inicialmente não se conhecem, mas tudo indica que irão se encontrar e se relacionar em meio aos mistérios da realidade de 1Q84.

1Q84 TENGO AOMAME

1Q84 e um mosaico de acontecimentos

Chamo a atenção para fatos que poderiam nem ser abordados pelo autor, mas são, e acabam fazendo parte da personalidade dos personagens, como o fato de Aomame sempre fazer comparações de seus seios em relação aos de outras mulheres, o porquê dela procurar por sexo mesmo com desconhecidos, o modo como Tengo leva sua vida e seu relacionamento com uma mulher mais velha e casada. Enfim.

A trama

Tengo um pacato professor de matemática e escritor amador (e frustrado), descobre-se totalmente impressionado quando seu amigo (editor de uma revista literária) Komatsu lhe dá um exemplar do livro A Crisálida de Ar, escrito por uma jovem e introvertida escritora com um potencial enorme para criar, mas sem muita técnica literária.

Um plano imoral é arquitetado, e a vida do professor e da garota começa a se entrelaçar e ele passa a se ver cada vez mais envolto em mistérios bizarros, que até então ele acredita ser fantasias da autora.

Do outro lado, uma assassina profissional, que se pauta em seu passado para executar alguns poderosos longe do alcance curto da lei japonesa.

Ao mudar uma pequena rotina de seu dia ela se vê em uma realidade alterada, inicialmente de forma quase imperceptível. Lidando com suas vontades sexuais, seus traumas com o corpo, e uma vida que parece ter apenas um objetivo, a mulher decide investigar o que está acontecendo com a realidade em que se encontra.

Basicamente essa é a premissa do livro…

O livro é cheio de referências e alegorias.

Aomame nos faz lembrar Alice logo no primeiro capítulo, descendo escada abaixo rumo ao seu destino. O título é curioso e faz referência ao livro famoso de George Orwell. 1Q84.

A letra “Q” em japonês tem o mesmo som que o número 9 (kyu). Um trocadilho que Aomame decidiu usar para se referir ao mundo paralelo, que ela acha estar vivendo.

E aqui está um ponto que me agradou. Quando falamos em mundos paralelos pensamos automaticamente em Fringe, Matrix, etc. Mas essa trama é diferente.

MRoT2

Não sei como será o desfecho, mas inicialmente as mudanças entre um mundo e outro são sutis. E tudo indica que aconteceu após um evento específico.

A sorte do leitor é que temos uma protagonista muito inteligente, e que percebe bem rápido uma alteração nas coisas ao seu redor.

Há elementos de fantasia que flertam com Fringe, mas sem os aparatos científicos.

Há a possibilidade de algumas criaturas misteriosas, mas sem a alegoria de Alice, ou Narnia.

Não são nossos protagonistas que mergulham no mundo desconhecido… a sensação é de que o mundo desconhecido atinge nossos personagens e todos os que estão ao seu lado.

Com a evolução da obra de maneira gradual, de repente os elementos surreais são adicionados e você acaba aceitando normalmente.

Ouso supor que o autor teve o cuidado de nos introduzir na realidade distorcida do mesmo modo que os protagonistas.

É possível que todos esses elementos façam sentido, quando misturados?

Um professor de matemática, uma seita religiosa, uma assassina atlética, destruição de ovários, uma escritora de livros com problema de timidez, uma lua verde pequena e disforme, uma colônia agrícola, um livro de fantasia, estupros, uma policial, uma cabra morta.

É possível tirar algum sentido? Murakami mostra em seu primeiro livro que sim.

Por isso concordo com o Chicago Tribune “Murakami é gênio”.

Ponto de vista oriental

A personalidade oriental é diferente da ocidental. Isso é fato. O livro traz isso muito forte. Mas acredito que esse não seja o intuito do autor.

Não creio que ele queria provar para o mundo como é a personalidade oriental. Flui naturalmente. Isso me mostrou como eu tinha uma visão antiquada dos japoneses, algo que remontava a livros de samurais, animes e outros elementos. Tenho uma nova concepção sobre o Japão atual.

Evolução e desfecho da obra

O livro se desenvolve e dá pequenas mostras dos elementos bizarros que estão por vir.

1q84b copy

Provavelmente nos próximos volumes tenham uma reviravolta na trama, ou possivelmente uma imersão maior no ocultismo e surrealismo.

A forma gradativa dos eventos se apresenta de maneira adequada. Como eu disse, o autor é experiente, sabe se enveredar nos recônditos bizarros de sua obra, com maestria.

Ele oferece ao leitor novos elementos, mas embasa todos com um choque de realismo.

Quando percebemos que algumas coisas estão diferentes, paramos e pensamos:

É 1984 ou 1Q84?

Duas Luas?

Duas Luas?

Fica difícil entender quando tudo mudou, porque mudou, se mudou e se isso realmente importa.

O intuito do livro parece ser o de mostrar como pequenas mudanças em nossa rotina podem mudar completamente nossa realidade e nosso futuro.

O livro tem um sabor de romance policial, algo investigativo. O clima de realidade envolvendo sexo, violência e traumas contorna muito bem o alcance do livro.

Mesmo assim, mesmo com todos esses elementos, há indícios de que por trás de tudo isso, estamos diante de um romance, um belo romance. Ele ainda não despontou e não parece que está sendo cogitado. Mas afirmo que está. E Está sendo construído de forma metódica.

Os protagonistas ainda não se encontraram (será?) mas acredito que os dois, mesmo dentro desse vórtice de loucura e surrealismo, encontrarão, dentro de suas imperfeições, dentro de seus traumas, um modo de se encaixarem perfeitamente. E isso é motivo suficiente para querer ler o próximo.

Se você procura ou gosta de tramas que agucem sua curiosidade, com traços fortes de realidade, apresento-lhes 1Q84. Agora se desejam um livro que flerta com a fantasia e ocultismo e nuance investigativo, apresento-lhes 1Q84.