Vale a pena ver – Deuses Americanos

Neil Gaiman é meu escritor favorito. Na verdade, posso dizer que ele é meu artista favorito.

Seja escrevendo romances, contos, roteiros para filmes ou episódios de série, ou apenas palestrando, ele é uma das figuras que me influenciaram, e me influenciam, até hoje.

_ Quem é você?
– Tudo bem. Boa pergunta. Eu sou a caixa dos idiotas. Sou a TV. Eu sou o olho que vê tudo e sou o mundo do raio catódico. Eu sou o tubo dos tolos… o pequeno altar na frente do qual a família se reúne para adorar.
– Você é a televisão? Ou alguém na televisão?
– A TV é o altar. Eu sou aquilo pelo que as pessoas se sacrificam.
– Como se sacrificam? – perguntou Shadow.
– O tempo que tem –Disse Lucy.

DEUSES AMERICANOS

É por isso que ver uma de suas obras adaptada para televisão é algo que me alegra, e muito.  E hoje vamos falar sobre ela.

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Onde assistir?

A série foi produzida pela Starz e os episódios são exibidos no Brasil pela Amazon Prime, toda segunda-feira.

Adaptação para a TV

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Muito se discutiu em debates de bar/conversas filosóficas sobre a possibilidade (e também a impossibilidade) de se adaptar as obras do autor inglês.

Se algumas delas parecem fáceis, como Stardust, outras parecem impossíveis, como Sandman.

Sem entrar nesse embate, sempre achei que Deuses Americanos estava no meio desses dois extremos. E se fosse bem adaptada, o resultado seria fenomenal. E não é que o primeiro episódio me empolgou e me mostrou que é possível estarmos diante de uma das melhores séries desse ano?

O post serve exatamente pra isso. Para falar sobre os pontos positivos de Deuses Americanos.

Par quem não conhece Neil Gaiman (e até para aqueles que o conhecem), há alguns anos atrás eu fiz um post reunindo 10 obras de Neil Gaiman. Para que se interessar, deem uma lida e depois voltem para cá.

E para quem não conhece Deuses Americanos, essa é uma obra literária onde o autor inglês nos apresenta uma estranha, assustadora e genial trama envolvendo os deuses antigos que conhecemos, mas muito deles esquecemos e novos deuses que cultuamos sem nem ao menos saber.

Essas figuras divinas que necessitam de adoração estão em uma guerra santa e no meio de tudo isso vemos o mortal Shadow Moon.

Entretanto, essa humilde sinopse não tem a intenção (e nem conseguiria) arranhar a superfície da trama. Ela é muito mais profunda e bela, apesar de que, na época em que li achei que o livro havia se estendido muito em alguns momentos, o que acabou pulverizando o impacto da mensagem.

Somente numa releitura mais atenta (final do ano passado), que aproveitei o contexto de uma melhor maneira.

A abertura

Essa é, sem dúvidas, a melhor abertura de série que eu já vi. As mensagens que podemos captar são muitas, e a abertura  brinca com os conceitos da trama de forma primorosa.

Vemos a Yggdrasil de Odin sendo comparada com uma ramificação de fibra ótica. Vemos a menorá (candelabro judeu) com conexões de áudio/vídeo. Um santo sudário feito com intrincados circuitos elétricos.

Um Buda rodeado por drogas psicoativas. Uma pirâmide coberta por fumaça e luzes de neon, nos lembrando de bares e baladas. Ambos são templos de adoração e fé, mas cada um a sua maneira, cada adequado à sua época.

Anjos com metralhadoras e olhos cobertos com binóculos militares, nos monstrando que nossos protetores talvez mudaram e não mais precisam de asas angelicais.

A corrida para o espaço nos mostra um astronauta pregado na cruz, bem semelhante ao filho de Deus. E ao final, um totem que guarda grande semelhança com aqueles feitos pelos nativos americanos, mas que parece uma miscigenação de propagandas de beira de estrada.

Enfim… Algo fantástico!

Nunca uma abertura falou tanto sobre o conceito de uma série como em Deuses Americanos.

Visual

A série tem um visual bem sóbrio. Suas cores insistem em lembrar o espectador,  a todo momento que você está no mundo real.

Entretanto, há alguns exageros e excessos visuais servem para te lembram que você está diante de uma obra fictícia e de fantasia.

É o caso dos Vikings que são alvejados com centenas de flechas de índios americanos. Beira o absurdo, e você esboça um sorriso, mas ao mesmo tempo se assusta com o que pode haver naquelas matas.

Esse medo que a série cria, te faz pensar no impensável e começar a aceitar o que vem no decorrer do episódio.

Assim também é com o banho de sangue que vemos na carnificina mostrada logo em seguida. A série convida você a exercitar sua crença, sua fé, aceitar o inacreditável. E  não é que esse convite funciona muito bem?

A Trama e os personagens

O primeiro episódio não segue a mesma receita que muitos episódios-pilotos de outras séries.  Pois aqui ainda pairam muitas dúvidas sobre a trama e muita coisa parece truncada.

Se eu não tivesse lido o livro, teria dificuldade de conectar algumas informações. É o caso de Senhor Wednesday, que é um dos deuses principais da série.

Pequenas dicas sobre sua identidade são oferecidas no decorrer do episódio, como vemos quando ele cita dia da  semana ou na brincadeira sobre o seu olhar.

“Tenho olho para essas coisas. Apenas um, mas eu posso ver …”

E se para descobrirmos quem são alguns deuses ou seres venerados, temos que recolher pista pelo episódio, outros são diretos e retos, e mesmo assim duvidamos da verdade. É o caso de Mad Sweney, o gigantesco irlandês que diz ser um leprechaun.

Ian McShane está completamente fantástico na série. Assim como Ricky Whittle interpretando Shadow Moon.

A trama se centra em Shadow, mas também vemos um pouco mais sobre o panteão dos velhos deuses.

Uma delas é Bilquis que, em uma cena bizarra e sensacional é apresentada. A cena é praticamente igual àquela dos livros. Porém, quero que ela seja melhor abordada, pois nos livros sua participação é pequena.

Mas não são apenas aos velhos deuses, cansados e alquebrados que somos apresentados. Um pouco antes do final vemos Technical Boy, um dos novos deuses. O deus da Tecnologia.

Essa diferença entre eles (no visual e na juventude) é vital para entendermos a trama que se desenrolará. Deuses novos contra deuses antigos. E Shadow Moon estará ali, apra assim como nós, testemunhar esse conflito grandioso.

Conclusão

A série tem tudo para ser um sucesso. Ainda que siga uma história de Neil Gaiman que, por si só já é o bastante, essa é uma série muito atual que traz reflexões sobre nosso dia-a-dia e como nos portamos frente ao mundo atual.

Deuses Americanos mostra o resultado final de nossas ações.

Parando para refletir sobre esse primeiro episódio e sobre o livro de Neil Gaiman percebo que Deuses Americanos nos mostra, de forma romanceada e fantasiosa, o que nossas ações criaram ao longo desses últimos anos.

Criamos novos deuses.

E quando falamos deuses, é o momento de pensarmos: O que são deuses e templos, se não entidades e locais que veneramos, acima de nossas próprias vidas?

Muitas vezes olhamos com escárnio para alguém que diz que deus responderá suas preces, mas não percebemos que nós mesmos acreditamos que ao dar dois tiques azuis no whastapp a resposta para nossas questões surgirá, automaticamente.

Hoje vivemos em um mundo onde veneramos o alcance do Facebook e ao acordarmos no domingo somos bombardeado por fotos e mensagens mostrando como nossos amigos “irmãos” estão felizes com a receita do sucesso e da felicidade. Não muito diferente, das testemunhas de jeová que batem na nossa porta, felizes prontos para nos ensinar a verdade, que eles carregam debaixo dos braços.

Quando desejamos que o Wi-fi pegue, não soamos menos supersticiosos do que um grupo de sioux em transe dançando e  desejando a chuva, acima de qualquer coisa.

Acredito que seja isso que veremos em Deuses Americanos.

O Antigo vs. o Novo. As preces vs. os e-mails, as conexões com o divino através de sacrifícios vs. a conexão de fibra ótica para acessar as novas benções do mundo virtual.

Será uma série que servirá tanto para entretenimento, quanto para reflexão. Cara ou Coroa.

Eu vou aproveitar de ambas as formas.

 

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